CRM Virtual

Conselho Regional de Medicina

Acesse agora

A Bioética compreende o envolvimento em situações em que as técnicas biomédicas se defrontam com as grandes e eternas questões metafísicas. Qual é o início da existência, o sentido da doença, do sofrimento, da cura? E o término da vida? Deus é necessário para um questionamento bioético? Nesse caso, de que Deus se quer falar? Que imagem de Deus seria convocada?

A Bioética lida com problemas novíssimos, e todo juízo rápido é suspeitoso, principalmente porque trabalha com questões relativas ao que seria o bem ou o mal. Surge com Potter, em 1971, diante de uma situação concreta: o número de pacientes que fazia uso de hemodiálise crescera. Sem máquinas suficientes, o que fazer diante de uma demanda maior que a oferta? Que critérios usar para questões que podem decidir a vida ou a morte de uma pessoa, sem esquecer os aspectos religiosos ou espirituais, preservando-se o caráter plural da discussão e não posições sectárias? Assim podemos dizer que a Bioética se refere, ao mesmo tempo, ao já existente e ao ainda não existente, numa espécie de tensão entre o ideal desejado e uma situação assumida da melhor forma possível.

Devendo contar muitas vezes com o tempo, com o risco da incerteza, animado pelo desejo de resolver grande parte de situações no horizonte do amor – esse ágape no sentido paulino -, o cristão pode viver o envolvimento na tensão entre a realização e a espera, sabendo que, embora a perfeição e a santidade não façam parte deste mundo, podem ser o motor de toda ação e decisão.

Há sempre receio diante dos novos desafios com os quais a Bioética se defronta. Realmente, determinados experimentos podem levar, senão a uma modificação, pelo menos a uma redefinição dos elementos constitutivos do ser humano. Dessa forma, compreende-se certas reservas da Igreja. Porém, atrás de tal prudência esboça-se, às vezes, uma desconfiança quase instintiva diante da novidade que não se encaixa nas antigas e seguras categorias teológicas e morais.

Vislumbra-se aí a razão profunda e verdadeiro empecilho para o reconhecimento eclesial da Bioética. Por não ser uma ciência teológica é grande a tentação de fazer dela um lugar da teologia moral ou de considerá-la uma concorrente, como se o que se reconhecesse como de valor para o mundo devesse ser necessariamente amputado na Igreja, e vice-versa. É nesse ponto que surge a maior dificuldade: ela coloca um inevitável problema eclesiológico. A bioética quebra a lógica da certeza e do poder em relação àquilo em que é preciso crer e que é preciso fazer, pois visa viver da melhor forma possível situações sempre particulares. Nesse sentido, na dinâmica dos sinais dos tempos, seu não reconhecimento mostra certo recuo na abertura da Igreja, não apenas pela não aceitação do valor das realidades terrestres, mas pela desconfiança cada vez mais sistemática em relação aos que não estão explicitamente ligados à sua doutrina. E, no entanto, se a Bioética pode ser um caminho de interioridade e de espiritualidade, não é ela uma oportunidade conjunta para a Igreja e para o mundo?

A Bioética abre caminhos comuns de humanidade e constitui um espaço em que o ser humano tem a chance de preservar suas dimensões constitutivas graças à instauração do questionamento, de um caminho do “perceber pela razão”. Representa uma real oportunidade de respeitar a espiritualidade ética, e a Igreja deveria alegrar-se em ver o homem contemporâneo não se deixar fechar na objetivação, no materialismo, na horizontalidade, ou seja, na ausência de finalidades teóricas e práticas. Então, não pode a Bioética ser percebida como um espaço possível e crível para um percurso de fé?

 

Referências Bibliográficas:

Singer, Peter – Bioética e Religião: os ideais defendidos pela religião

Segre, M. – Conferencia apresentada no VI Congresso Brasileiro de Bioética e I Congresso de Bioética do Mercosul. Revista Brasileira de Bioética Vol. 1, n° 3, 2005.

Batistioli, J. – Bioética e Religião: a vida entre a religião e a ciência.

Jacquemin, D. – A Bioética e a questão de Deus – Paulinas – SP

Deus e a Bioética – Debate com Alastair Campbell, H. Tristram Engelhardt e Márcio F. dos Anjos – Centro de Bioética do CREMESP –

Silva, Miguel Oliveira da Silva  – “Ciência, Religião e Bioética, no início da vida”,

Clotet, J. – Por que Bioética

Garcia Ferez, J. – Informativo Ecumênico do Comitê de Assistência Religiosa – CARE / HCFMUSP.

Aviso de Privacidade
Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal Médico, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de cookies. Se você concorda, clique em ACEITO.