A evolução do conhecimento tem conduzido a humanidade até o moderno embate com a AI (inteligência artificial), que avança a passos céleres nas atividades gerais e na IoT (internet das coisas), em um arremedo da síndrome de Frankenstein, onde a criatura ameaça o criador.
O conhecimento, em si, é fruto do pensamento aplicado na superação dos desafios e limitações da condição humana, onde o respeito ao antagonismo das ideias é a linha mestra que permitiu o avanço das cavernas ao espaço infinito. Em tempos pré-socráticos, Parmênides de Eléia e Heráclito de Éfeso vislumbraram conceitos que continuam influenciando o nosso caminhar como seres sociais e pensantes. O primeiro defendia a imutabilidade das coisas, sendo a realidade única e indivisível, admitindo apenas o “ser” e o “não ser”, sendo contraposto pelo segundo, que é considerado o “Pai da Dialética”, ou seja, da doutrina dos contrários, para quem “Nada é permanente, exceto a mudança”.
As forças que regem o aparente caos do universo parecem confirmar a posição de Parmênides, enquanto o avançar do pensamento humano e as mudanças da sociedade ao longo da história dariam razão a Heráclito.
Sendo a ética fruto do pensamento, assim como a moral e as diversas normas de relacionamento social, ela seria imutável enquanto princípio ou mutável enquanto ciência ou filosofia? A resposta não é fácil e não é objetivo do autor consegui-la nesta simples reflexão, cujo escopo é motivar o leitor a buscar suas próprias conclusões, enriquecidas com as próprias divergências.
Primeiramente, devemos ter em mente a principal diferença da ética em relação a moral, pois esta última reflete o conjunto do que é permitido ou proibido em uma sociedade, ou seja, a gama de valores que determinam o que seria certo ou errado, variando com a cultura e o período histórico de cada grupo, enquanto a ética envolve aspectos teóricos, científicos e filosóficos que buscam explicar, entender, criticar as diversas morais de uma sociedade. Quando a ética, como ocorre na medicina, é estabelecida por cânones distribuídos em um documento formal, passa a ter a moralidade submetida a um conjunto de leis (Código Civil, Código Penal…), preceitos e normas infralegais que submetem os profissionais ao seu rígido cumprimento para que evitem a imputação de atuação antiética.
No dicionário Houaiss, ética (éthos) significa “o conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região”.
Ao buscar a melhor conduta ética, a pessoa se defronta com regras sociais que lhe impõem deveres e garantem alguma autonomia; de modo geral, limitam seu direito a não ultrapassar os limites do direito de outrem. O dever seria a obrigação de fazer algo imposto por lei, pela moral, pelos usos e costumes ou pela própria consciência tendo em vista o outro ou a sociedade em geral, enquanto a autonomia seria a capacidade de cada pessoa decidir sobre aquilo que ela julga ser o melhor para si, não se caracterizando direito absoluto. Exemplo importante em nossa práxis profissional é o entendimento dos limites da autonomia do médico e do paciente quando conflitantes.
A priori, a ética, enquanto linha de conduta ou princípio filosófico que visa o bem e a justiça, é como a lei que rege o universo: imutável e una. Entretanto, enquanto fruto das mudanças sociais e legais de cada povo ou nação, colocada nas letras de um código, atendo-se ao que é bom e justo para cada moral, é mutável e múltipla.
Belém, 17 de fevereiro de 2024
Dr. Manoel Walber dos Santos Silva
Conselheiro. Ex-Presidente do CRM-PA (2018-2021)